O presidente nacional do PSDB,
senador Aécio Neves, em entrevista à revista Veja, relembrou com carinho os
passos de seu avô, Tancredo Neves, e falou de suas lembranças pessoais no
período entre a eleição e a morte dessa
grande figura da história da política brasileira.
“Olhando para trás, é difícil
acreditar que tantas mudanças tenham ocorrido em tão pouco tempo, somente dois
anos: 1984 e 1985. Tive o privilégio de, ainda muito jovem, com 24 anos,
acompanhar de perto aquele período decisivo na vida de nosso país, e de, com
ele, aprender várias lições - uma, especialmente importante: a de que cada
geração tem seu compromisso com a história. Por isso, é necessário que os
líderes estejam sempre à altura dos desafios de seu tempo”, declarou Aécio,
que ressaltou nomes como o de Tancredo e o de Ulysses Guimarães como um bom
exemplo disso.
Em seu passeio pelo tempo, o
tucano relembrou a intensidade vivida nos dias de campanha de seu avô, as
viagens pelo Brasil, os comícios das Diretas, a frustração, na época, pela não
aprovação da emenda Dante de Oliveira e os dias que se seguiram à renúncia de
Tancredo ao governo de Minas.
Aécio relatou que após essa
renuncia, se mudou com o avô para um apartamento na quadra 206 Sul, em Brasília.
Lá, ele pode presenciar a inesquecível articulação política que conseguiu
vencer vinte anos de vontade.
“Foi um trabalho de artífice, minuciosamente planejado por grandes
brasileiros para que a mobilização nacional daqueles dias pudesse garantir, de
alguma forma, aquele que era nosso maior objetivo: o fim do autoritarismo.
Nosso reencontro com a liberdade e a democracia. Trabalho que culminou no
lançamento de Tancredo como candidato das oposições à Presidência da República
e em sua vitória no Colégio Eleitoral. Três meses depois, ele morreria. Apenas
três meses”, lamentou o neto de Tancredo.
O tucano, classificou a vitória
de seu avô no Colégio Eleitoral como fruto de uma bem-sucedida estratégia,
conduzida por diversos e diferentes atores, unidos pelo objetivo de pôr fim à
ditadura. Segundo o líder nacional do partido tucano, faziam parte dessa
estratégia a decisiva mobilização popular e uma paciente costura de bastidores.
“ O 15 de janeiro de 1985 amanheceu diferente em todo o país. Carros
buzinavam em todas as cidades, bandeiras ocupavam ruas. À noite, no Rock in
Rio, Cazuza embrulhou-se na bandeira brasileira, saudou a democracia
recém-conquistada e cantou Pro Dia Nascer Feliz. Para grande parte das
pessoas, a transição democrática terminava ali, com a eleição de Tancredo.
Mas, (...)sabíamos que não era o fim do
processo. Ainda existiam focos de resistência no regime militar.”
Mediante este cenário, Tancredo
foi aconselhado a ser prudente e manter a vigilância. Ele viajou ao exterior
para encontrar-se com chefes de estado e tentar tornar o processo de redemocratização
brasileira irreversível. Voltou para o Brasil e se mudou, com Aécio, para a
Granja do Riacho Fundo, onde continuaram trabalhando a consolidação da
democracia.
“Tancredo sabia que repousava sobre seus ombros a responsabilidade pela
transição democrática. Tinha consciência de que o país caminhava em terreno
ainda frágil. Temia especialmente que a percepção sobre alguns problemas de
saúde que estavam surgindo pudesse, naquele momento, servir como pretexto para
as forças políticas que buscavam o retrocesso. Ele não podia correr riscos”,
relembrou Aécio.
Aécio lastima-se pelo fato de o
avô não ter tomado posse. Tancredo passou mal às vésperas de seu empossamento,
no dia 14 de março.
“Sentei-me a seu lado na cama e estávamos sozinhos, quando ele me olhou
com intensidade e disse: “Chame o Zé Hugo (José Hugo Castelo Branco, que
teria sido seu ministro da Casa Civil) e peça a ele que traga os atos de
nomeação do ministério”. Sugeri que deixasse para o dia seguinte. Ele insistiu.
(...) Com muita dificuldade, as mãos trêmulas, assinou um a um e mandou que
fossem imediatamente publicados. No dia seguinte, quando ficou claro que ele
não tomaria posse, ainda teria havido tentativas de criar dificuldades para a
posse do vice, José Sarney. Tarde demais, o Brasil já contava com um novo
ministro do Exército, que detinha o controle da tropa e era leal ao novo
governo democrático. Os médicos chegaram e nos informaram que Tancredo
precisaria ser internado e operado imediatamente. Sugerimos que fosse levado a
São Paulo. Eles nos disseram que não se responsabilizariam e que não o
acompanhariam na viagem. Ao entrar no hospital, ele se dirigiu a seu filho, meu
tio, Tancredo Augusto e disse: “Fiquem atentos. Lembrem-se do que aconteceu com
Juscelino e Jango”. No hospital, sua única preocupação era o país. Ciente da
grande frustração popular e das dificuldades que José Sarney poderia estar
enfrentando, ditou-me uma carta para ser encaminhada ao presidente em exercício
e que pudesse ajudar a legitimá-lo, naquele momento, no exercício da
Presidência da República. Foi o último documento que ele assinou”, disse
Aécio, que concluiu o a entrevista com a seguinte frase: “Três décadas depois da
morte de Vargas, uma outra multidão, em torno de um outro caixão, velaria o
corpo de um outro presidente. E que, por amor ao Brasil, ele também deixaria a
vida para entrar na história”.